Você já se pegou falando para alguém uma destas frases?
Bem que eu te avisei! Eu te falei! Você não quis me ouvir e agora se danou! Eu sabia que isso ia acontecer!
Outro dia, conversando com uma amiga, fiquei pasma ao ver a satisfação na voz dela, quando me disse: “Eu não te falei que o casal x fatalmente se separaria? Eu já tinha previsto isso a um tempo atrás!”. Ao que lhe respondi: E você parece feliz por isso, não é? Ela retrucou: “Estou feliz porque eu não estava louca quando previ isso”.
Eu penso que sua expectativa era receber meu elogio: “Como você é brilhante!!!”. Mas me recusei a fazê-lo.
Entendi! Nós ficamos satisfeitos quando nossas previsões acontecem, independente do que está em jogo, se o resultado é bom ou ruim. Aliás, isso não tem a menor importância, quando a questão é “estar certo e ter razão”.
Descobrir que estamos certos dá um prazer imenso.
Sabe por que? Estar errado significa incompetência e típico de tolo.
Assim, uma única dúvida sobre nossa verdade é suficiente para nos levar à culpa e nos envergonhar da nossa mediocridade. Por outro lado, estarmos certos, confirma nossa inteligência, a nossa esperteza, ou seja, a nossa competência.
De onde vem essa crença disfuncional?
Do imaginário coletivo que ensina a vinculação do erro aos adjetivos que desqualificam o ser humano, tais como a distração, o desinteresse, a preguiça e a ignorância.
Isso explica porque desde nossa idade infantil, aprendemos com nossos pais e professores que errar é coisa de gente fraca, idiota e incompetente, o que nos leva a acreditar que não podemos errar e também dizer “não sei”. Isso jamais! Precisamos mostrar que temos resposta para tudo, e quando alguém tenta confrontar nossa verdade, somos tomados pela raiva frente à situação ameaçadora da exposição.
E mais, para não sentir a dor emocional causada pelo peso do erro, o ser humano, quando dominado pela inflexibilidade, tem a tendência a adotar a vitimização e a transferência da culpa para o outro pelos seus próprios erros.
Veja que a resistência à responsabilidade pelo próprio erro coloca em risco nossa sobrevivência, a evolução do conhecimento e a busca da verdade. Além disso, dificulta a interação humana, impede o pensamento crítico e estimula a rigidez mental.
Nesse contexto, o maior desafio humano é privilegiar a ideia do outro, quando essa for a melhor solução para um problema, sem se sentir “menos valia”. Estou falando sobre o diálogo.
Comunicação dialética
Para tocarmos nosso mundo para frente é preciso praticarmos a comunicação baseada na dialética, a arte de dialogar.
Segundo Platão, a dialética é o processo de diálogo entre pessoas comprometidas com a busca da verdade, através da qual a alma se eleva.
Segundo Aristóteles, a dialética é um raciocínio lógico fundamentado em ideias apenas prováveis, e por isso passíveis de serem refutadas.
Portanto, na dialética não existe o “dono da verdade”, ao contrário, privilegia a flexibilidade mental para aceitar as diferenças nas opiniões.
Mas, por que a comunicação dialética é tão díficil e, em algumas situações, quase impossível?
A principal razão é que cada pessoa tem diferentes pressuposições e expressam diferentes opiniões. E essas pressuposições não são meramente suposições superficiais, e sim pressuposições de raiz, tais como: pressuposições a respeito do sentido de vida; a respeito dos seus interesses próprios; a respeito do interesse de sua religião, em suma, a respeito do que a pessoa considera realmente importante.
Dessa forma, essas pressuposições ou opiniões são defendidas com vigor quando são desafiadas.
Assim, as opiniões tendem a ser experienciadas como verdades, mesmo que as opiniões, pressuposições e experiências sejam exclusivamente suas. Sentimos, porém de forma inconsciente, que nossa posição é tão obviamente correta, que nós não podemos evitar tentar convencer aquela estúpida pessoa, sobre quão errada ela está ao discordar de nós. A conversa se torna uma verdadeira disputa de opinião. Podemos comprovar que o maior inimigo do diálogo é a rigidez mental.
Então o que fazer?
Simples, porém desafiador: levar em conta as opiniões dos outros e prestar atenção às suas próprias reações de hostilidade, e também às reações dos outros. Não permitir que essas distorções tire você e os outros do foco, que é desenvolver um pensamento coletivo, pensar juntos.
Veja como pensar juntos: uma pessoa tem uma ideia, a outra pessoa pega a ideia para si, uma terceira pessoa adiciona algo à ideia inicial e o pensamento flui através de muitos, ao invés de cada um ficar tentando convencer o outro.
O pensamento coletivo é muito poderoso porque gera novas informações, novas soluções, e todos saem ganhando do jogo, muito mais experientes e fortalecidos.
Mas dialogar requer sensibilidade para agir com habilidade, e sensibilidade envolve sentidos e percepção sobre os significados. Isso tudo é comunicação.
Como vê, o diálogo ajuda muito na revelação das pressuposições, e ajuda as pessoas a se livrarem delas e se tornarem mais exploradoras, indo mais além do que uma disputa de opiniões.
O diálogo é a base para uma comunicação ganha-ganha.
E você também gosta de ter razão?
Um abraço
Vera Martins
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